segunda-feira, setembro 25, 2006

A ESTAS ALTURAS, SÓ ENGANANDO O POVO...!

"A consciência primitiva costuma se esfalfar para reduzir a vida ao embate do Bem contra o Mal. Tudo seria, por certo, mais simples. Em troca, a experiência humana perderia a sua complexidade e riqueza ou até mesmo a sua humanidade. Se os problemas do mundo e da vida se resumissem a essa luta maniqueísta dos justos contra os pecadores, não existiriam Shakespeare, Dostoievski, talvez Dickens, para não falar de Kafka e Machado de Assis.

Pense o leitor nas figuras dos compradores de dossiês. Dá para perceber que em sua alma convivem o inquisidor Torquemada e São Francisco de Assis. Desde a fundação, pequenos grupos de militantes insuflaram o PT a frêmitos salvacionistas que, em sua exaltação descontrolada, entorpeceram a compreensão do jogo democrático. In illo tempore, julgavam lícito construir a Cidade de Deus sobre o cadáver moral dos adversários. Agiam como agem hoje os senhores posudos e engravatados da oposição. São todos da mesma índole, quem sabe da mesma laia. Ou seja, proclamam a excelência das próprias intenções, mas, em nome da virtude, corrompem a regra universal.

Na oposição ou no poder, os métodos sobreviveram à falência das virtudes. No episódio atual, vê-se que abandonaram completamente a ação política lícita e transparente por uma ação obscura. São os petistas da penumbra que violam regras e se comprometem diante da opinião pública. O mercado de dossiês desses petistas ou as calúnias de grande parte da oposição não esgotam o abundante repertório de desrespeitos aos princípios republicanos. É comum nos trópicos, de um lado, a transformação das prerrogativas funcionais em privilégios individuais e pessoais e, de outro, a imunidade parlamentar ou de classe exemplarmente exibida pela arrogância oligárquica.

Nutrem-se, ambos, daquele sentimento que assegura serem todos da mesma turma ainda que não sejam da mesma classe. Esse, sim, é o fenômeno sistêmico que contamina a vida política brasileira. E não é de hoje. Nos casos da negociação do dossiê Vedoin e da divulgação da entrevista dos envolvidos, a forma assumida pelo negócio é escancaradamente típica das relações que constituem o sistema de poder e aumentam as suspeitas de “instrumentalização” da imprensa. É preciso fazer distinções. Por isso, Lula aplicou um golpe duro no queixo dos petistas que se meteram no episódio: “Mexer com bandido não dá certo em lugar nenhum do mundo”.

Na democracia brasileira, os cidadãos não exercem participação permanente e efetiva nos negócios do Estado; são apenas eleitores. É natural, portanto, que nesta democracia sem povo os cuidados com a coisa pública escapem dos limites da legalidade para atender aos apetites privados ou para saciar os arreganhos “heróicos” dos funcionários do Estado. Também não é surpreendente que, em determinados momentos, as massas despontem na busca atônita de uma ética – qualquer ética –, o que irremediavelmente nos conduz ao “olho por olho, dente por dente”, como pregam os petistas dos dossiês e as oposições golpistas que, na ânsia de escalar parcos porcentuais nas pesquisas de opinião, atacam o presidente com adjetivos que desrespeitam a República. É hora de a Justiça funcionar implacavelmente com uns e com outros.

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