quarta-feira, novembro 08, 2006

A IMPRENSA - A Farsa Nossa de Cada Dia


Artigo de GUILHERME SCALZILLI, publicado no Informante, mostra a desfaçatez de grande parte da Imprensa, completamente comprometida com as benesses do capital estrangeiro e, ainda, outros subjugados pelo mais vil dos sentimentos humanos, o preconceito, que no fundo, bem lá dentro do âmago, não passa de um complexo de inferioridade . O Povo deu o recado! Alguns já entenderam! Esperamos que a cegueira de tal complexo não tire a visão de alguns outros!

Jesus Fonseca

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"Há evidências de contaminação política na grande imprensa desde a posse de Lula. O problema de realçá-la retrospectivamente, à luz de posturas vigentes durante a gestão FHC, consiste em enfrentar o malicioso argumento de que contextos diversos pressupõem abordagens desiguais dos contemporâneos. Alguns colunistas evitam o dilema, alegando que a averiguação de eventuais desvios do governo atual independe de parâmetros morais fornecidos pelos antecessores.

Portanto, não seria relevante que a imprensa tenha agido de forma diferente no passado. A idéia é falsa porque tenta retirar o foco dos jornalistas, eximindo-os de responsabilidades no complexo sistema gerador da corrupção. Numa democracia plena, certas convicções não podem estar sujeitas a conveniências. Um repertório de valores manchado por contradições serve à impunidade e à manipulação, justificando as piores violências – se hoje condenamos o que ontem era razoável, e vice-versa, qualquer absurdo futuro se torna viável.

Todos sabem disso, claro. Mas preferem refugiar-se num moralismo cínico, subitamente cego e imediatista por exigências do momento. E é difícil combatê-lo, sob o risco de ser tachado de corrupto ou censor. O chamado "escândalo do dossiê" resolve esse problema de modo exemplar. Agora não se trata de cobrar coerência entre comportamentos separados pelo esquecimento e pela obsolescência característica do periodismo.

O proselitismo político emerge no calor do próprio noticiário. Não resta dúvida de que a histeria em torno do suposto dossiê teve a finalidade imediata de abafar a famosa entrevista à IstoÉ, na qual os Vedoin, chefes da máfia das ambulâncias, envolveram José Serra e Barjas Negri no esquema criminoso. Os sinais do acobertamento são evidentes. Dos três possíveis crimes envolvidos (tentativa de compra de falso testemunho, denunciação caluniosa e lavagem de dinheiro), dois dependem da veracidade das informações prestadas pelos entrevistados.

Apenas o último delito, no entanto, foi investigado pela imprensa, que ignorou todas as denúncias. As indignações transferiram-se imediatamente para o PT, poupando Serra e Negri de constrangimentos. A gritaria dos moralistas de ocasião diluiu as flagrantes incongruências que seu "jornalismo" exibiu na cobertura do episódio. Jefferson, Waldomiro, Buratti, Karina e assemelhados eram informantes confiáveis.

Os Vedoin, não. Quando personagens obscuros, ou mesmo delinqüentes confessos, depõem contra petistas, considera-se justificável divulgar suas acusações: as denúncias possuiriam relevância e publicá-las seria eticamente tolerável, tratando-se de fontes identificadas. Quando alguém bole com tucanos poderosos, essa lógica desaparece: os Vedoin não possuem credibilidade, a IstoÉ deveria ter checado as informações previamente.

A ninguém ocorreu algo semelhante quando a revista Veja propagou as estapafúrdias teorias dos dólares trazidos de Cuba em caixas de uísque. O jornalismo oposicionista cobra rigor nas apurações sobre a origem do dinheiro que pagaria o dossiê. Novamente, "a população tem o direito de saber" – argumento que sustentou a sanha investigativa contra os acusados de mensalão e do caixa dois.

Mas não pareceu tão importante devassar Antero Paes de Barros e Eduardo Azeredo com a mesma fúria, esclarecer as ligações do PSDB com Marcos Valério ou descobrir a origem do depósito que o caseiro Francenildo recebeu, através do pai, na véspera de seus depoimentos contra Palocci. Tampouco existe o mesmo "interesse público" em determinar se o governador eleito do principal Estado do país esteve envolvido com uma quadrilha que, segundo o próprio Ministério Público, operava desde 1998. "Lula sabia, Serra não!".

Conturbar a disputa paulista às vésperas da votação seria oportunismo eleitoral. Tamanha cautela não vale para o petista Humberto Costa, candidato ao governo de Pernambuco. E definitivamente não se aplica a Lula. É assombroso constatar que o desprezo conferido às fotos comprometedoras de Serra com os Vedoin foi acompanhado de grandes esforços para expor as ligações do presidente com os acusados pelo dossiê.

Enquanto os tucanos apareciam como vítimas de um ardil sujo, petistas viraram gângsters ordinários, condenados publicamente por "admitirem conhecer" pessoas ligadas aos suspeitos. Tudo isso em plena fase de investigações, sem qualquer conclusão oficial. Enxergou-se na demora em apurar o caso uma atitude politizada da Polícia Federal, mas ninguém estranhou as semelhanças entre o episódio atual e o de março de 2002, quando o mesmo Serra foi beneficiado por uma ação da PF contra Roseana Sarney. Dois episódios similares, em muitos sentidos.

Não divulgar fotos do dinheiro recém-apreendido é condescendência das autoridades. Mas revelar a íntegra do dossiê seria abuso. A atuação de membros do governo na campanha de Lula constitui falta gravíssima; já o procurador que manifesta inclinações partidárias e ordena prisões infundadas está no pleno gozo de suas atribuições. E assim vamos aplaudindo o teatro de aberrações em que se transformou o jornalismo brasileiro.

Não importa como o adjetivemos, de meramente tendencioso a golpista; sua utilidade para a propaganda política está bem protegida pelas chantagens de uma pseudo-ética ocasional e dissimulada. Obtusos somos nós, que o questionamos."

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor.


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