sexta-feira, março 02, 2007

Café da manhã com o presidente

Num café da manhã ontem com um grupo de onze jornalistas dos principais jornais e redes de televisão, o presidente Lula foi categórico ao responder às especulações de que o eventual sucesso do Plano de Aceleração Crescimento (PAC) poderia levar a um clamor para que as regras do jogo fossem mudadas e ele concorresse a um novo mandato em 2010: "Não há hipótese. Não se pode brincar com a democracia brasileira".

E prosseguiu: "Cumpri a legislação vigente, fui eleito e reeleito. A própria reeleição já é delicada, muitas vezes o segundo mandato pode ser um desastre..O que eu quero é terminar o segundo mandato muito melhor do que terminei o primeiro. Esse é o meu desejo, é meu sonho: voltar a andar pelas ruas".

Deixou claro também que vai suar a camisa para eleger seu sucessor. "Quero ter um impacto na eleição de um companheiro. Nada pior, para um político, do que terminar seu mandato com seus pares não querendo que ele suba no palanque. Quero terminar o meu mandato recusando convites para ir a palanques, e não pedindo para subir". Perguntaram-lhe se a última frase seria uma alusão ao ex-presidente Fernando Henrique. Lula disse que não. Explicou que estava falando em tese.

Lula driblou praticamente todas as perguntas sobre a reforma ministerial. Falou abobrinhas e obviedades, evitando emitir qualquer juízo ou dar qualquer informação sobre a nova equipe. Só num caso foi taxativo, ao falar sobre os ministros da equipe econômica: "A área econômica está blindada pelo sucesso dela. Em 2004, quando eu estive na Índia e soube que ela tinha US$ 100 bilhões de reserva, fiquei sonhando com o dia em que Brasil teria US$ 100 bilhões. Hoje tem. Dá uma estabilidade muito grande".

Mais do que uma entrevista, foi um bate-papo. Se não chegou a fazer revelações bombásticas, Lula, bem humorado e bronzeado de sol, falou um pouco sobre tudo, até sobre a emoção que sentiu recentemente ao assistir ao filme "A marcha dos Pingüins".Descobri que ser pingüim é muito difícil. Até o ovo, o coitado do macho tem de carregar no meio das pernas, sem deixar cair. O dia em que eu encontrar o cara que fez esse filme vou dar uns beijos nele. A vida toda é assim. Eles sofrem mais porque são menores, são indefesos"


Reforma ministerial (1): Não sei se um partido que tem 70 deputados hoje não vai ter 30 daqui a pouco. Historicamente, entre as eleições e o mês de março tem muita acomodação.

Reforma ministerial (2): "Nunca estive em situação tão favorável para fazer o Ministério como eu tenho agora. Não há nenhuma pressão. As conversas com os partidos têm me deixado totalmente à vontade. Temos que contemplar a base, mas a última palavra será do presidente. Tenho sentido dos partidos uma vontade de colaborar com o governo como não sentia no primeiro mandato".

PIB: "Em relação ao PIB, o Brasil já cresceu 10,3% e o salário mínimo caiu. Em 1973, no governo militar, cresceu 14% e não houve distribuição de renda. Hoje, mesmo sem crescer da forma que gostaríamos, tem uma política social que permitiu o aumento da renda. Não me peçam para fazer mágica na economia. Ninguém tem mais pressa em crescer do que eu. Sou eu que tenho que me explicar nas ruas. Mas se não tivermos responsabilidade, corremos o risco de dar um salto e cair no buraco".

A base para que se dê os passos seguintes está colocada. E não se fez nenhuma loucura. Depois de décadas irresponsáveis na economia, não custa nada ter uma década responsável. Estamos a um fio de chegar lá.

Gastos e investimentos: Não vou gastar mais, vou investir mais. Gasto é como pagar aluguel, não tem retorno. Quando eu era metalúrgico, no começo, cada aluguel que eu pagava, o dinheiro não voltava mais. Depois eu tomei um dinheiro emprestado e comprei uma casinha no Parque Bristol, no alto de uma pirambeira. Mais aí não era gasto, era investimento.

Dívida pública: Ah, se fosse possível o presidente que entra não pagar as dívidas deixadas pelos outros e botar tudo debaixo do tapete. Mas não dá. É como quem casa com uma viúva: herda a viúva, os filhos e os problemas. A única coisa que não herda é o ex-marido.

Reforma tributária: Todo dia estamos desonerando impostos. O governo já fez entre 26 e 30 bilhões de desoneração. Vamos apresentar outra vez a reforma tributária. Mas vamos lembrar que a parte do governo federal já foi aprovada; a dos governadores, não foi feita. O importante é entender que, se o Brasil ganhar, todos terminarão ganhando.

Meio ambiente: Precisamos tomar cuidado com o discurso dos países ricos. Querem nos dar lições de que não devemos desmatar, mas é bom lembrar que eles são responsáveis por 70% das emissões do planeta e não tomam nenhuma iniciativa. O Brasil preservou 69% de suas florestas. A Europa só 0,6%. Os Estados Unidos menos ainda: 0,5%.

Etanol: O biocombustível não pode ser a aventura de um único país. Temos de criar no mundo uma nova matriz na área dos combustíveis, com a América do Sul, a América Central e a África produzind.o Falou-se muito no carro de hidrogênio como alternativa. Nós não estamos falando, estamos fazendo. O flexfluel é uma realidade.

A Petrobrás vai ter de entrar na questão do etanol. Precisamos ter estoques reguladores de álcool, que garantam a regularidade do suprimento. Quem pode fazer isso senão a Petrobrás? Ela também vai funcionar como trading.

A espera: Foram doze anos de espera. Nesse tempo, fiz a universidade, o mestrado, o doutorado – e o que vem depois? – o pós-doutorado. O PT foi ganhando prefeituras e governos de estado e eu fui aprendendo. Foi uma benção de Deus. Cheguei ao poder mais preparado.

Segurança (1): É um problema crônico. Enganam-se os que acham que tem uma solução fácil e imediata para o problema. A única coisa que eu peço é para o Estado não reagir emocionalmente diante das tragédias. O Estado não pode tomar decisões emocionais. Eu, ser humano, posso. O Presidente da República não pode.

Segurança (2): Tem milhões de jovens pobres, desempregados que não se desencaminham. São a regra. Tem milhares que estão desenganados, estão no caminho da perdição. São a exceção. Por causa desses, você vai colocar a juventude brasileira sob a repressão?

Segurança (3): Desde 1980, são 26 anos, uma geração e meia. Os filhos dessa geração não tiveram oportunidades. Eu estou falando como presidente da República para chamar à responsabilidade a sociedade, os entes federativos, o governo federal. Isso é resultado do descaso de décadas. Quero fazer o diagnóstico junto com os governadores: a melhor forma de combater a criminalidade entre os jovens é a da esperança, a esperança de estudar e trabalhar.

Segurança (4): Há um processo de desagregação da estrutura da sociedade a partir da desagregação da família. A juventude é o nosso maior desafio.

Educação: Por que as universidades públicas não têm curso à noite? E as escolas privadas têm uma dívida ativa com a União muito alta. Por que não estudar uma forma de transformar essa dívida em bolsas de estudo?

Organismos internacionais: O FMI ficou dez anos propondo ao mundo ajuste de contas, contenção de despesas, corte de gastos. Por que não pode passar os próximos dez anos falando em desenvolvimento econômico e crescimento? Como vamos dar uma chance ao Haiti e aos países africanos, se não tiver organismos internacionais apoiando projetos, se a gente não começar a comprar cana e biodiesel dos países pobres?.

Segundo turno: O segundo turno foi uma dádiva de Deus. A prorrogação juntou pessoas no segundo turno que não tinham se juntado no primeiro...

Relações com os EUA: Os EUA são um parceiro estratégico do Brasil. Temos muito a aprender com eles, e a ensinar a eles. Os EUA cometeram um erro histórico ao não dar a devida atenção à América Latina e à América do Sul. Sempre houve uma relação pesada, cheia de preconceitos. Então eu me esforço para estabelecer uma relação melhor entre os dois países, independente de quem for o presidente.
Pessoalmente, posso não gostar ou posso adorar uma pessoa, mas tenho que ter uma relação de chefe do estado com ela. Seria pensar pequeno demais diminuir o papel dos EUA no mundo e na relação com o Brasil. O Brasil durante muitas décadas agiu de forma subserviente com os EUA. Eu sou da tese de que nenhuma pessoa pode aceitar a subserviência, nem a mulher do homem, nem o homem da mulher

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