segunda-feira, outubro 30, 2006

PORQUE LULA FOI REELEITO!

A matéria que se segue é do Presidente do Instituto Vox Populi de Pesquisas, Marcos Coimbra.

Há muitas razões que explicam a vitória de Lula nas eleições deste domingo e muitas serão discutidas nos próximos dias, mas há uma que me parece fundamental: Lula ganhou porque, para a maioria da população, não estava na hora de mandá-lo de volta para casa com apenas quatro anos de mandato.

Nas pesquisas, essa opinião vinha sendo claramente expressa por aqueles que pretendiam votar nele, mas não estava ausente do raciocínio de muitos que não. Em meados de julho, por exemplo, em pesquisa não destinada a divulgação, a quase totalidade dos entrevistados que tinha intenção de voto em Lula concordava com a frase “não está na hora de eleger um candidato do PSDB, pois eles já tiveram os oito anos de FHC e fizeram pouco”.

Mas o relevante é que metade dos eleitores de Alckmin dizia o mesmo, ou seja, que, para muitos deles, talvez não fosse, ainda, a hora da troca de comando.

Os eleitores que decidiram a eleição de 2002, aqueles que nunca haviam votado em Lula e que então votaram, fizeram sua escolha depois de superar o conflito entre um forte desejo de mudança e o temor por suas conseqüências. Para eles, era preciso dar, nas eleições presidenciais, o mesmo passo que consideravam normal em outras, o da alternância, mas tinham receio que fosse “arriscado demais”. Mudar, nas cidades e até nos estados, era possível, mas, no país, talvez não.

Por razões que não precisamos relembrar, “a esperança venceu o medo” e a maioria do eleitorado promoveu a mudança.

Completava-se, assim, a construção democrática depois dos longos anos do arbítrio: finalmente, acontecia a desejada alternância, nem que fosse apenas para mostrar que era possível.

Além de um aspecto formal, importante ao alargar o espaço da democracia, mas restrito ao plano institucional, a alternância com Lula tinha um sentido adicional e muito concreto para seus eleitores: o de ser, também, uma alternância de classe no centro do sistema, a presidência da república. Ou seja, o que estava em curso era uma ampliação democrática em dupla acepção, a possibilidade da troca e a possibilidade da troca por alguem como Lula. O Brasil mostrava para si mesmo (e para o mundo) que uma pessoa do povo podia ser tudo em nosso sistema político, vereador, deputado, prefeito, senador, governador e, até, Presidente da Republica.

Pode-se objetar a essa idéia, lembrando que outros presidentes nasceram em famílias simples e enfrentaram graves dificuldades na vida. Nada, no entanto, se comparava a Lula nesse aspecto, quando mais não fosse porque nenhum, antes dele, teve que lidar com um permanente questionamento de suas qualificações, em grande parte por ser quem era. Assim, foi, em boa parte, a intensa campanha negativa que sofreu em suas tentativas anteriores de chegar à presidência, de manipulação de preconceitos e ativação de estereótipos, que tornou, para o povo, tão extraordinário o resultado daquela eleição. Ao desqualificá-lo no passado para derrotá-lo, nossa elite o transformou em símbolo ainda mais forte na vitória.

Por essas razões, a alternância era muito mais que política e na política, envolvendo sentimentos profundos de auto-imagem e amor-próprio. Era uma alternância “deles” por “nós” e por “mim”.

Engana-se quem pensa que foi uma decisão simples, até porque ela exigiu uma reavaliação muito ampla. Com Lula, venciam muitos parecidos com ele em muitas coisas, negando seu lugar marcado na sociedade brasileira, de incapacidade de transcender seus limites de origem e de superar as barreiras para “dar certo na vida”. Admitir que Lula podia ser igual a um “bacana” implicava em aceitar que outros Lulas podiam também ser “bacanas”, mesmo aqueles condenados a não sê-lo, pela rigidez de nossas hierarquias sociais.

As primeiras pesquisas feitas logo após as eleições de 2002 e durante o começo do governo captaram uma nítida mudança nas atitudes dos eleitores de classe popular, apontando para o aumento de sua auto-estima e da confiança de que o Brasil iria melhorar, agora que as políticas de governo passariam a ter outra intenção e finalidades. Então a alternância se faria completa, chegando à própria ação do governo: um governo diferente, com gente diferente, fazendo coisas diferentes.

Durante quanto tempo? Qual seria a duração do mandato desse governo tão novo? Ora, aquela que nossos políticos criaram, ao criar a reeleição: oito anos.

Essas pesquisas mostravam que Lula começou seu governo com o horizonte de tempo que passou a ser a regra para todo governante eleito depois de 1997, mas com um crédito adicional, vindo da tolerância que alguém tão diferente como ele podia ter. Ao elege-lo, seus eleitores contavam com uma demora que poderia ser longa, até que ele e sua turma se familiarizassem com o poder e suas artimanhas. As expectativas não eram de grandes resultados no curto prazo, mas, fundamentalmente, de que houvesse uma inflexão de prioridades, que sinalizasse a nova direção buscada.

Agora, no meio desse “mandato longo”, os eleitores que confiaram em Lula, com os outros que não, fomos todos chamados a julgar os “primeiros” quatro anos, para que opinássemos se era ou não o caso de deixa-lo “completar” o trabalho. O resultado é conhecido.

Quando votaram Lula, seus eleitores fizeram julgamentos objetivos e subjetivos. Olhando para o que foi feito desde 2003, já sabíamos há tempo que a maioria da população fazia uma comparação favorável do governo Lula com seus antecessores. Em algumas áreas de ação governamental, esperava-se mais, em outras menos, mas as surpresas positivas (macroeconomia, política externa) sempre foram maiores que as negativas (saúde, emprego, segurança). Em nenhuma houve percalço semelhante à crise cambial de 1999, ao apagão de 2001 ou ao desequilíbrio de 2002, sem aqui discutir suas razões.

Acima de tudo para os eleitores que confiaram em Lula, esses “primeiros” quatro anos foram de cumprimento da palavra empenhada, de resgate do que seria seu compromisso fundamental, tão fundamental que não precisava sequer ser enunciado, de fazer um governo que melhorasse as condições de vida dos mais pobres. Isso, para a maioria da população, Lula fez e fez até mais que muitos esperavam.

O Bolsa Família é o símbolo desse compromisso, mas não está sozinho e não é, nem nunca foi, sua manifestação mais importante. Foi a melhora do poder de compra, seja pelo aumento do salário real, seja pelo barateamento de inúmeros produtos de consumo popular (desde tradicionais, como alimentos e materiais de construção, a novos, como muitos eletroeletrônicos), que mais confirmou que Lula fez diferença para quem mais precisava. Junto ao Bolsa Família, programas como o Pro-Uni, o Luz para Todos, confirmaram o que os eleitores pensavam ser as metas mais importantes do governo. Tê-las buscado, obtendo maiores ou menores sucessos, foi o essencial.

E o “mensalão? Por que não foi capaz de matar a candidatura Lula? Que “blindagem” é essa?

Sem entrar na discussão da histeria da mídia e de “formadores de opinião” frustrados por se perceberem inteiramente incapazes de formar qualquer opinião, a gravidade do que foi suscitado pelas denúncias nunca foi ignorada ou menosprezada pelo eleitorado. O que a maioria fez, apenas, foi uma ponderação de acertos e erros, chegando à conclusão que os primeiros foram maiores que os segundos, especialmente porque sabia, por experiência ou intuição, que os pecados do”mensalão” são a regra e não a exceção.

Mas essas considerações objetivas não foram tudo nesta eleição que terminou. A seu lado, ainda que de maneira nem sempre consciente, esteve presente outra causa, que me parece decisiva.

Mandar Lula de volta para casa, não lhe conceder a “outra” metade do mandato, seria um golpe grande demais para seus eleitores. Fazê-lo seria como que admitir que não existe alternância possível no Brasil - não a mera alternância política, mas a alternância de classe a que nos referimos. Às vezes até fazendo com que, deliberadamente, muitos eleitores preferissem não saber de coisas contra ele, a idéia de alternância esteve presente e foi fundamental na eleição e na reeleição de Lula.

A derrota de Lula seria o abortamento da alternância, a admissão que não há saída fora da elite. Era concordar com a idéia de que um presidente vindo do povo não consegue mesmo ser um bom presidente e que nem sequer o direito de completar seu trabalho lhe deve ser estendido. Com ele, perderiam muitos outros Lulas.

Ainda bem que ganhou.

transcrito por jesus

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